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:: texto de joubert arrais no site enquanto danças ::

:: texto do processo do beco do jasmim - uma proposta de movimento ::

 

Por Lyncoln Diniz.

 

Um dia andando atrás dos pés, encontrei pela primeira vez o Beco do Jasmim…

 

Um lugar estranho, nada comum, um beco que não é beco – têm saídas, inclina-se sobre si.

 

Até hoje não sei muito bem o que se passou nesse primeiro encontro, mas o que sei é que ainda brilha esse não sei o quê. Até porque mesmo não sabendo muito bem o que se passava, confiei que era algo que começava assim que eu encontrava o beco e o beco encontrava a mim.

 

Toda vez que lá volto há a insistência de abrir espaços entre eu e o beco, e alargar o acontecimento desse primeiro encontro, quase como cultivar uma amizade. São espaços de confiança que vão espalhando uma qualidade de continuidade de relação com as pedras, com as árvores, com as pessoas, com as paredes. Gera-se pertinência na densidade de estar mesmo sem saber por quê. E é um estar que implica um não saber estar. Aceitar e continuar. É assim que sinto até hoje, depois de 5 meses sem desistências, a criação de algo entre eu e o Beco do Jasmim, como um nascer de algo no reconhecimento de movimentos que vão aparecendo, vão sendo possíveis, numa pulsação que nunca pode partir só de mim.

 

Durante esse último mês, tenho estado toda quarta-feira no beco com as crianças do ATL da Madalena, pintando as paredes. Não sei pintar paredes, nem nunca tinha desenhado em uma, e por isso não é por ter alguma estratégia de interação com o espaço que faço isso. No estar com as crianças, o trabalho que faço é confiar que na ação de pintar ou desenhar há algo que insiste, e que não é sobre pintar paredes. A presença das crianças, das tintas, dos traços e daqueles que acompanham as quartas-feiras no beco, não se desidrata numa ação pontual e semanal. Por vezes essas pinturas são caóticas, por não terem uma direção acertada, cada um pinta por onde pinta, por onde alcança. Os desenhos podem parecer um borrão, mas as manchas nas paredes, que vão saindo da euforia de estar na rua colorindo uma parede, conversam com o beco, e aos poucos vê-se uma qualidade espalhando-se pelo ar.

 

Então mesmo sem saber pintar vamos pintando. Sinto nesta criação uma qualidade muito próxima a que aparece numa criança ao depara-se fazendo algo que nunca tinha feito antes, e por isto o faz com toda confiança, reconhecendo que aquilo é mesmo feito daquela maneira, e não de outra. É algo que se vai criando com uma implicação nada descomprometida de ser aquilo que vai sendo. Não é indiferente se vai por ali ou se para aqui.

 

A criação de um corpo, uma presença que dança no Beco do Jasmim, insiste numa rede de relações que, seja mais sozinho, seja com alguns, ou com muitos, dançando, pintando, conversando, vai, ao meio de toda a poeira levantada a cada especificidade de estar, afinando à uma urgência de estar lá, assim como é o estar daquele que ali mora, do outro que vende, daquela que lava, ele que dorme, ela que corre.

 

O Corpo que dança

 

De tanto rolar, entortar, deslizar, enrolar, dobrar, o corpo dançando vai tendo, aos poucos, uma clareza da dança que acontece no Beco do Jasmim.

 

Há alguns dias surgiu-me uma dor muito física, algo que nunca tive antes, percorria todo o meu lado direito, desde o pescoço, ia pelo lado da coluna, e descia perna a baixo até o calcanhar. E foi algo que aparecia, que eu não conhecia, mas já acolhia. Hoje dancei e já não tinha dor, mas a tal linha ainda estava lá. Creio que é um corpo chegando e de tão novo que me era o corpo que chegava até me doía.

 

E hoje ao dançar notei que essa linha insistia, minha perna direita esticava-se, o tronco inclinava-se e o braço direito abria-se ao lado. Um movimento que despontava a cada 5 minutos, e eu deixei que assim fosse, até que essa linha deixou de ser um assunto grave, e pode ser dançada. Dancei e o corpo logo foi reconhecendo-se no espaço movendo com essa linha que pode acontecer também em outros lados e direções.

 

Sinto agora que essa linha não é só linha, já era um movimento atravessando meu corpo, e que há uns dias atrás eu só podia reconhecer como uma linha que doía, e hoje já tudo é mais claro. Algo incrível acontece toda vez que alguém passa. O corpo, que agora já pode organiza-se nessa linha e logo desfazer-se na dança, enruga-se, torce-se, encurva-se como que respondendo, vibrando mais para cá ou mais para lá conforme quem passa, conforme o vento que sopra ou a folha que caí. Há um tempo atrás se alguém me olhava torto, achava mal a minha dança, eu resistia, quebrava, não continuava, até parava. Danço agora um corpo que não quebra, que continua ao reconhecer algo nos atravessamentos que recebe. Sempre aceitando um continuar. Um pulsar. Segue criando-se pois já não há paragens.

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